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Por que eu não suporto a textura da gelatina?

  • Foto do escritor: Kátia Silva
    Kátia Silva
  • 31 de out.
  • 3 min de leitura

Quando a sensibilidade sensorial pode ser um sinal de neurodivergência




Você já sentiu repulsa por certas texturas de alimentos, como gelatina, cremes ou massas moles, a ponto de sentir enjoo ou ânsia?Talvez tenha se questionado se isso é “frescura”, “mania” ou “coisa da sua cabeça”.

Na verdade, essa sensação pode estar relacionada à forma como o seu cérebro percebe o mundo sensorial — e não a uma escolha consciente.



O que é sensibilidade sensorial?


Nosso cérebro recebe milhares de estímulos por segundo: sons, cheiros, luzes, sabores, texturas. Ele precisa filtrar e organizar essas informações para que possamos viver com conforto.

Entretanto, algumas pessoas têm o que chamamos de hiper-reatividade sensorial — ou seja, seus sistemas perceptivos são mais intensos.O toque, o som ou a textura de certos alimentos podem gerar reações físicas e emocionais desproporcionais ao estímulo: náusea, irritabilidade, ansiedade ou até vontade de fugir da situação.

Essas respostas não são “dramas”, mas reações neurológicas reais, estudadas pela neuropsicologia e pelas ciências do comportamento sensorial.


Importante: algumas pessoas descrevem essa sensação como “nojo instantâneo”, “ânsia automática” ou “me dá até raiva de encostar nisso”. Todas essas descrições são válidas.



Por que a gelatina (ou as balas Fini) são exemplos tão comuns?


A gelatina e as balas de gelatina reúnem vários fatores sensoriais desafiadores para cérebros mais sensíveis:


  • textura instável e imprevisível (ora sólida, ora líquida);

  • movimento oscilante que ativa o sistema visual e tátil ao mesmo tempo;

  • superfície pegajosa ou viscosa;

  • cheiro e sabor artificiais intensos;

  • temperatura fria, que adiciona mais um estímulo sensorial.


Para quem tem hipersensibilidade, o cérebro interpreta esse conjunto como um estímulo confuso e aversivo.O corpo reage com enjoo, irritação ou recusa — um mecanismo de autoproteção neurológica, não de “frescura”.


Isso tem relação com TEA?


A hiper ou hipossensibilidade sensorial faz parte dos critérios diagnósticos do Transtorno do Espectro Autista (TEA), segundo o DSM-5-TR (American Psychiatric Association, 2022).


Em jovens e adultos com TEA de nível 1 (autismo leve), essas reações sensoriais aparecem de forma sutil e muitas vezes passam despercebidas.A pessoa parece “funcionar bem”, mas internamente está em esforço constante para lidar com o desconforto.


Outros sinais frequentemente associados incluem:

  • desconforto em ambientes com muito ruído, cheiro forte ou luz intensa;

  • preferência por rotina e previsibilidade;

  • cansaço social após interações prolongadas;

  • necessidade de tempo sozinhos para se regular.


Essas pessoas podem ter alto desempenho intelectual e social, mas ainda assim sentir grande sofrimento com estímulos cotidianos.Por isso, a sensibilidade a texturas alimentares pode ser uma pista importante de um funcionamento neurodivergente.




Atenção: ter sensibilidade sensorial não significa necessariamente ter TEA. Mas, quando há outros sinais associados, vale investigar com calma.




Como a avaliação neuropsicológica pode ajudar


A avaliação neuropsicológica investiga como o cérebro processa informações cognitivas, emocionais e sensoriais. No caso da sensibilidade a texturas, ela ajuda a responder perguntas como:


  • Esse comportamento tem base neurológica, emocional ou ambas?

  • Está associado a outros traços de TEA, ansiedade ou transtornos alimentares?

  • Quais estratégias podem reduzir o desconforto e melhorar a qualidade de vida?


Por meio de entrevistas clínicas e testes padronizados, o processo ajuda a compreender o perfil individual — sem rótulos, mas com clareza e direção terapêutica.


Caminhos de cuidado e autocompreensão


Descobrir que seu incômodo tem uma base sensorial e neurológica pode ser libertador. Não se trata de “mudar quem você é”, mas de aprender a respeitar seus limites sensoriais e construir uma rotina que os acolha.


Alguns caminhos possíveis incluem:

  • acompanhamento psicológico com abordagem neuropsicológica ou comportamental;

  • terapia ocupacional voltada para integração sensorial;

  • acompanhamento nutricional quando a seletividade alimentar traz prejuízos;

  • psicoeducação para familiares e parceiros, para promover mais empatia e compreensão.


Conclusão

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Sentir desconforto com texturas não é um defeito — é uma forma diferente de perceber o mundo. Compreender essa diferença é o primeiro passo para transformar o sofrimento em autoconhecimento. A avaliação neuropsicológica pode ajudar a construir esse mapa — com ciência, acolhimento e respeito à singularidade de cada pessoa.



Referências
  • American Psychiatric Association. (2022). DSM-5-TR: Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais.
  • Dunn, W. (1997). The Impact of Sensory Processing Abilities on the Daily Lives of Young Children and Their Families: A Conceptual Model. Infants & Young Children, 9(4), 23–35.
  • Baron-Cohen, S. (2010). Autism and the Empathizing–Systemizing Theory. In The Year in Cognitive Neuroscience 2010.
  • Grandin, T. (2012). The Way I See It: A Personal Look at Autism and Asperger’s. Future Horizons.
 
 
 

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